oferta de serviços e atividades à população

Galpão de Cultura e Cidadania e CDC Tide Setubal oferecem diferentes atividades e estimulam a convivência e a cidadania

No fim de uma tarde de julho de 2014, a comunidade do Jardim Lapenna estava reunida no Galpão de Cultura e Cidadania para os festejos “julinos” e parou para ver a quadrilha, que a cada ano apresenta uma história diferente, como se colocasse no palco um espetáculo teatral. Ao som do Trenzinho Caipira de Heitor Villa-Lobos, crianças, adolescentes, jovens e adultos dos diferentes projetos ocuparam o espaço, pouco a pouco, vestidos de retirantes, para contar a história da chegada de muitas famílias a São Paulo. Durante a narrativa, a parada nas estações de trem revelava encontros, acompanhando a transformação da identidade e os desafios do jogo da vida nas grandes cidades. Tema, texto, cenário e música foram escolhidos e escritos a partir da reflexão conjunta sobre as manifestações de junho de 2013 e a massiva abordagem midiática na Copa do Mundo no Brasil. Essa criação revela como as ações são realizadas nas oficinas ou em atividades voltadas para a programação cultural.

No Galpão de Cultura e Cidadania e no CDC Tide Setubal, os projetos constroem o itinerário de formação, baseado na troca de experiências, na cooperação, no olhar para a realidade, no pensar junto para a produção do conhecimento. O constante exercício de pertencimento e reconhecimento acontece nas oficinas e ganha, também, o território e a cidade, estimulando a cidadania e a participação.

Olhar para onde vivem, refletir sobre como as relações se estabelecem e pensar em como se colocar e conviver são elementos que direcionam as atividades. Parece conversa de gente grande, mas a realidade das comunidades entra pela porta com as crianças e há uma busca contínua pela transformação do olhar para o conflito, para os preconceitos, para os desafios por meio do protagonismo e das interações.

Voltadas para o público de 7 a 16 anos, no projeto Um Passe para a Arte, as oficinas de artes plásticas, dança, capoeira e percudança trabalham temas específicos de cada linguagem e se reúnem em momentos coletivos que contribuem para a formação cidadã.

A capoeira é um dos instrumentos nesse percurso. A prática procura aumentar e qualificar o vínculo afetivo e o respeito entre os praticantes, além de trabalhar sua história e inserção no contexto educativo. Assim, os encontros do grupo, realizados no Galpão ou em locais fora da comunidade, transformaram a disputa e o jogo do perde-ganha em momentos de compartilhar com os amigos, nos quais a preservação do outro, da amizade, supera o ganhar ou perder, contribuindo para a convivência no grupo ou fora dele.

Do encontro da música com a dança, nasceu a proposta da oficina de Percudança, demanda dos educandos diante dos instrumentos construídos nas atividades de luteria, realizadas no Galpão. Ritmos e sons das manifestações populares, muitas vezes associadas a religiosidade, foram trabalhadas e ganharam novos significados e vínculos com histórias de pais e avós, fazendo nascer, assim, novos vínculos culturais.

Nas artes plásticas, o exercício da criatividade, por meio das criações, trata de estimular a mudança da realidade pela imaginação. Em uma das atividades do ano, a proposta foi de construir uma maquete da casa das crianças. Para projetar sua casa ideal, as crianças puderam, também, pensar no bairro, na relação com os vizinhos, nos laços familiares e na relação com o entorno. Já os adolescentes trabalharam com a street art e debateram conceitos, estilos de desenhos, diferenças entre grafite e pichação. Nesse percurso, os alunos demonstraram interesse pelo estilo mangá, e esse encontro foi ampliado com a participação do Ponto de Leitura, com acervo e apoio da educadora que realizou interferências sobre o letramento. Após o estudo das técnicas, nasceram personagens, criados pelos adolescentes, que foram usados em uma história em quadrinhos. As duas técnicas foram reunidas em um mural, dando visibilidade ao trabalho do grupo.

Colocar luz e identificar potências, fragilidades, recursos e espaços de acolhimento na comunidade foram caminhos percorridos pelos integrantes do Projeto Pontinhos de Cidade, com crianças de 7 a 12 anos, parceria do Núcleo de Comunicação Comunitária São Miguel no Ar, com apoio do Instituto Paulo Montenegro e da Child Friendly Places. Brincadeiras de rua, melhorias para o bairro e mobilização da comunidade para pensar na violência local foram temas abordados por meio de entrevistas, produção de vídeos e resgate da memória familiar. A ideia é incentivar, desde a infância, a participação na realidade da comunidade.

Sob a mesma perspectiva atua o grupo de 15 jovens do projeto Intermídia Cidadã, realizado em parceria com a Secretaria Municipal de Desenvolvimento, Trabalho e Empreendedorismo, que prevê experimentações, estudos, produção e aplicação de conhecimento em eixos como mobilização e intervenção social, educação política, ocupação de espaço público e comunicação comunitária. Durante o ano de 2014, diversas ações e produções de comunicação e de convívio, como a cobertura da inauguração da nova passarela do bairro e a realização de Rádio de Rua sobre o Conselho Gestor de Saúde e sobre segurança com as crianças do Pontinhos de Cidade, foram executadas. Os jovens também produziram a 21ª edição do jornal A Voz do Lapenna, sobre regularização fundiária, políticas habitacionais, movimentos sociais por moradia e conselhos participativos existentes em São Paulo. O tema é pauta de interesse do bairro, que passa por um processo de ocupação irregular.

Outros projetos estão em desenvolvimento e devem ganhar as ruas e outros espaços do bairro em 2015. Entre eles, Funk Também é Cultura, com dinâmicas em escolas públicas para incentivar a criação de funks com letras sociais, poéticas e críticas, apresentado pelos jovens na Escola Estadual Pedro Moreira; o Kit Ururai, com gibi de histórias e memória de São Miguel Paulista; e a Incubadora de Sonhos, em parceria com a Unidade Básica de Saúde do Jardim Lapenna, voltada ao fortalecimento de jovens gestantes e mães.

Colocar-se, argumentar, ter um olhar crítico para participar de espaços coletivos depende de um exercício de fortalecimento e formação e o Espaço Jovem atua nessa diretriz. Com uma metodologia lúdico-educativa, rica em vivências por meio de diferentes linguagens, como filmes, músicas, gincanas, teatro e intercâmbios com jovens de outras instituições, o projeto, que reuniu 33 integrantes em 2014, proporciona mais acesso à informação, contato com outras visões de mundo e estímulo à reflexão. Temas como gravidez na adolescência, questões de gênero, política de redução de danos, os diferentes tipos de drogas e seus efeitos, entre outros, marcaram os encontros semanais ao longo do ano, contribuindo para as escolhas pessoais e a atuação no coletivo.

Os debates, a argumentação, a reflexão temática também marcam presença no módulo de Teatro para Iniciantes do Arteculturação. Em 2014, os 40 alunos da turma construíram a peça Um Sonho de Sophia, a partir da leitura de textos de dramaturgia, de filmes e rodas de conversa sobre o Golpe de 1964, que completou 50 anos. Na sinopse, o grupo apresenta Sophia como filha da ditadura, por causa do sequestro de sua mãe, e que tenta entender sua história para sonhar com um país livre.

Já dois grupos formados nas aulas de teatro para iniciantes ganharam as ruas do bairro com propostas criadas no módulo de elaboração de projetos e aprovadas pelo PROAC. Ambas têm como princípio ampliar as ofertas culturais na comunidade. O Projeto DioTespissio Conta São Miguel Paulista apresentará peça criada a partir de relatos dos moradores e documentos históricos e realizará oficinas e leituras abertas sobre a história do bairro de São Miguel Paulista. Já o Projeto Hospício Cultural #interVEM: da Praça às Escolas realizará saraus nas praças e pretende ampliar o alcance da ação para as escolas públicas da região.

Esporte - O Clube da ComunidadeTide Setubal tem o esporte como vocação e o uso dessa força para desenvolver outras habilidades é o princípio do projeto Toque de Letras, que iniciou suas atividades em 2014 com apoio do Football for Hope. O projeto estimula os jovens a olhar para o esporte também como uma forma de construir outros conhecimentos. Além do treinamento de habilidades físicas e técnicas e o reforço de valores como cooperação e respeito, trabalhados quando a bola rola, as oficinas de cidadania e comunicação esportiva colocaram em campo o apoio ao letramento e o exercício de reflexão sobre cooperação/competição e a construção de vínculos de confiança, solidariedade e identidade.

A nova proposta reuniu 150 jovens ao longo do ano; no pontapé inicial, muitos alunos estranharam os eixos transversais do projeto, afirmando que queriam apenas jogar bola. Foi preciso ampliar o período de experimentação, permitindo a entrada no projeto mesmo depois do início das aulas. As novidades técnicas, a relação entre a comunicação e o futebol e a melhora na convivência e na confiança ajudaram a reverter esse jogo.

O uso do método Coerver, adotado após a participação dos educadores em congresso realizado pelo Football for Hope, foi a grande novidade na prática esportiva. Entre seus princípios de aprendizagem, destaca-se a tomada de decisão, que incentiva os educandos a utilizar suas percepções de forma ágil e coordenada, permitindo uma leitura de jogo mais rápida. Os exercícios para melhora física, com materiais especiais como paraquedas e cinto de resistência, escada de agilidade, entre outros, atraíram os jovens, que pediram muitas vezes a repetição das atividades por acharem diferentes e divertidas.

Técnicas básicas de fotografia, debates para a criação de pequenos documentários e oficina de jornal para produção de crônicas sobre a Copa do Mundo abriram espaço para exercícios de leitura, escrita e construção de textos com a perspectiva de contribuir para a melhora na expressão das ideias. A linguagem radiofônica foi a proposta para as atividades do segundo semestre. Os jovens trabalharam a narrativa esportiva e a produção de programas de rádio. A narração feita pelos próprios educandos do projeto tornou as partidas mais animadas e ajudou alguns deles a vencer a timidez, dentro e fora de campo. Já as produções de programas de rádio apoiaram a reflexão sobre a realidade com pesquisas, debates e roteiros sobre o tema drogas.

A temática conectou a comunicação às oficinas de cidadania, nas quais os jovens puderam ampliar seu olhar sobre a questão com rodas de conversa sobre as motivações para o uso, o abuso e o tráfico. Conversar abertamente só foi possível pelo processo que aconteceu ao longo do ano. A partir de uma visão geral do que é ser cidadão, as atividades do eixo cidadania procuraram desenvolver a importância da cooperação, do trabalho em equipe, da confiança e da criação de vínculos. No circuito de confiança, por exemplo, os educandos foram separados em equipes; um de cada grupo ficava com os olhos vendados e deveria cumprir o percurso orientado pelos amigos da equipe, acreditando em suas indicações. Esse, outros exercícios práticos e diferentes desafios ajudaram os jovens a criar novas referências, ganhar confiança para expressar suas ideias.

Em ano de Copa do Mundo, a competição não poderia ficar de fora do calendário do Toque de Letras. O conhecimento sobre as edições do Mundial, a competição discutida sob a perspectiva cidadã e um dia de Copa no mundo onde moro inseriram os jovens em diferentes debates sobre o evento. No último tema, crônicas foram produzidas e uma delas foi publicada no jornal A Voz do Lapenna, distribuído na comunidade.

Um processo de monitoramento e avaliação acompanhou o desenvolvimento dos educandos ao longo do ano com perguntas no início e no fim desse período, respondidas por educadores e educandos. Vale destacar que um dos desafios do projeto é a oscilação de participantes, devido a uma lógica anterior de assiduidade nas oficinas. Como o CDC Tide Setubal é um clube, o acompanhamento de presença era menos rigoroso. Com a mudança no projeto, a assiduidade é essencial para a participação, além disso, por ser o primeiro ano da nova proposta, a equipe optou por ser flexível nas entradas ao longo do ano e isso dificulta a avaliação mais precisa.

Nesse sentido, destaca-se uma amostra de 27 jovens, presentes nas atividades do início ao fim do ano. Na avaliação dos educadores, esse grupo apresentou avanços: 20% nas habilidades físicas e técnicas, 14% na capacidade de expressar opinião e escutar, 5% no cuidado, apropriação e zelo com o espaço. Em uma percepção qualitativa, os educadores puderam observar que os jovens conversam mais entre si, dão mais opiniões sobre as atividades e também sobre temas polêmicos.

Já nos educandos, que também participaram da avaliação, há uma convergência em duas habilidades mais desenvolvidas: físicas e técnicas. Curiosamente, a capacidade de expressar opinião e escutar aparece com redução das notas iniciais. Existe a hipótese de que a aquisição de uma consciência mais crítica os tenha tornado mais rigorosos na percepção sobre avanços nas atividades fora de campo. A hipótese se confirma quando os jovens respondem se usam o que aprenderam na vida. Em uma exposição final do projeto, as respostas para essa questão falam de respeito aos outros, menos xingamentos, mais conversa, menos briga: “eu aprendi a compartilhar coisas com os outros”, “aprendi com a atividade de cidadania que eu devo ficar calmo e me controlar”, “aprendi que tenho que falar na hora certa”. O projeto Toque de Letras continua em 2015 e, em seu segundo ano, os jovens poderão fortalecer ainda mais suas habilidades sociais.

Além do futebol, o xadrez é tradição no CDC Tide Setubal e uma das atividades preferidas entre os frequentadores, por isso, em 2014, os encontros passaram a acontecer duas vezes por semana, acelerando o aprendizado ao longo do ano. No segundo semestre, os alunos participaram de sete campeonatos. Entre os resultados, no Torneio Liberdade, o aluno Nicolas foi campeão na categoria sub-8; na disputa por equipes, os educandos do CDC venceram em todas as categorias (sub-8, sub-12, sub-14 e sub-16). No Campeonato Paulista Escolar Estadual, Rodrigo ficou em sexto lugar na categoria sub-12; Isaque, em quinto lugar na sub-10; e Lucas, em terceiro lugar na sub-16. Nos Jogos Estudantis Municipais, Bruna foi campeã na categoria feminina sub-12; Isaque, vice-campeão na sub-10; e Lucas, campeão na sub-16.